Câmara aprova taxa de lixo, mas a verdade sobre a legalidade precisa ser dita.

 


Na última terça-feira (1º), a Câmara Municipal de Pindamonhangaba aprovou, por 6 votos a 5, o projeto de lei da Prefeitura que cria a Taxa de Serviço Público de Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos (SMRSU) a chamada taxa do lixo. O projeto passou em votação única, sem audiência pública e sem debate com a população. Só foi aprovado porque o presidente da Câmara, vereador Marco Mayor, usou seu voto de minerva para desempatar.

A Prefeitura justificou a medida alegando que a criação da taxa seria obrigatória, que o município correria risco de ter as contas rejeitadas, perder repasses federais ou até sofrer cassação do prefeito. Mas todas essas alegações são distorcidas e não correspondem ao que diz a lei.

Mais grave ainda: a forma como a Prefeitura planeja cobrar a taxa exclusivamente com base na metragem do terreno é injusta, ilegal e inconstitucional e pode ser questionada judicialmente.

A lei não obriga a criação da taxa

A Prefeitura sustenta que a Lei nº 14.026/2020 obriga os municípios a criarem a taxa. Porém, ao ler o artigo 29 dessa mesma lei, fica claro que a sustentabilidade financeira do serviço deve ser buscada preferencialmente com cobrança do usuário. A palavra “preferencialmente” revela o óbvio: não se trata de obrigação, e sim de uma possibilidade.

A legislação anterior, a Lei nº 11.445/2007, ainda vigente, também afirma que os serviços de limpeza urbana podem ser financiados com recursos do orçamento, IPTU, fundos públicos e outras fontes. O município tem autonomia para escolher o modelo de financiamento, desde que ele seja tecnicamente justificado.

Não existe renúncia de receita

Outro argumento usado pela Prefeitura é o de que não instituir a taxa configuraria renúncia de receita, o que poderia levar até à cassação do prefeito. Essa alegação é infundada juridicamente.

O artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) define renúncia como isenção, perdão, subsídio ou qualquer outro benefício sobre tributo já existente. No caso da taxa do lixo, ela nunca existiu em Pindamonhangaba. Logo, não há como haver renúncia. O que existe é uma escolha legítima do município  que agora, por decisão política, optou por transferir esse custo para o contribuinte.

O Tribunal de Contas não obriga criar taxa

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) tem feito questionamentos a vários municípios sobre a sustentabilidade dos serviços públicos, inclusive o de coleta de lixo. Isso faz parte de sua função de fiscalização.

Mas o TCE não impõe, não determina e não obriga a criação de taxa. O que o tribunal exige é que o município explique como irá financiar o serviço com taxa ou não. Se houver planejamento técnico, equilíbrio fiscal e justificativa orçamentária, a cobrança não é necessária.

A Agência Nacional de Águas e a tentativa de obrigatoriedade

A Prefeitura também usou como justificativa a Instrução Normativa nº 1 de 2023, que estabelece que a adoção da Norma de Referência nº 1 da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) pode ser exigida para acesso a recursos federais e financiamentos. Porém, mesmo essa norma não impõe a criação da taxa, apenas estabelece critérios técnicos para acesso a determinados programas.

Adotar a norma da ANA é uma condição para qualificação técnica, não um mandado de cobrança ao cidadão. Nada nela obriga a instituição da taxa  obriga, sim, o município a justificar o modelo de financiamento escolhido para o serviço.

A história de que o prefeito pode perder o mandato é usada para assustar

Há uma narrativa em circulação de que, sem a taxa, o prefeito poderia ter suas contas rejeitadas, perder mandato, ou a cidade ficaria sem recursos federais. Isso não é verdade. É um discurso que busca criar medo e confundir a população, como se a gestão estivesse de mãos atadas.

Esse tipo de afirmação é uma manobra política, uma artimanha retórica. Serve apenas para justificar uma decisão impopular e transferir a responsabilidade ao Tribunal de Contas, à ANA ou à União — quando, na verdade, a responsabilidade é da própria Prefeitura, que decidiu não apresentar alternativas.

Cobrança baseada apenas na metragem do terreno é ilegal

Se a Prefeitura de Pindamonhangaba está calculando a nova taxa do lixo exclusivamente com base na metragem do terreno, essa prática fere diretamente os princípios legais e constitucionais que regem a cobrança da Taxa de Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos (TMRSU).

Essa metodologia pode ser considerada inconstitucional e injusta, e pode ser contestada judicialmente por qualquer contribuinte. Veja por quê:

1. Viola o artigo 35 da Lei Federal nº 14.026/2020

Esse artigo determina que a taxa:

“deverá ter como base o custo do serviço e observar, sempre que possível, o volume de resíduos sólidos efetivamente coletado e removido.”

Ou seja, a taxa deve levar em conta a quantidade de lixo gerado, e não apenas o tamanho do terreno, que não representa o uso do serviço.

2. Contraria decisões do STF e STJ

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já firmaram jurisprudência: taxas só podem ser cobradas quando o serviço é específico e divisível, e o cálculo deve ser proporcional ao benefício recebido.

Cobrar com base na área do terreno:

  • Não mede o uso do serviço;

  • Não distingue se o imóvel é residencial, comercial, vazio ou rural;

  • Penaliza quem não gera lixo (como terrenos baldios);

  • Cria distorções (um imóvel de 1000 m² com um morador pode gerar menos lixo que um apartamento de 60 m² com cinco pessoas).

3. Viola o princípio da capacidade contributiva

Esse princípio, previsto na Constituição, exige que quem usa mais o serviço pague mais, e que a cobrança seja proporcional à realidade do contribuinte.

Cobrar pela metragem ignora completamente o volume real de lixo produzido e desrespeita a equidade tributária.

Exemplos práticos

A cidade de São Paulo tentou incluir a taxa de lixo no IPTU, com base na área construída. A medida foi alvo de ações de inconstitucionalidade e teve a cobrança suspensa.

Cidades como Hortolândia e Itu também cancelaram a cobrança após forte pressão popular e constatações de distorções nos critérios de cálculo.

Faltou debate, sobrou pressa

Um projeto com tanto impacto deveria ter sido amplamente debatido. Mas foi aprovado em votação única, sem transparência, sem audiências públicas e sem divulgação detalhada sobre os valores que os moradores terão que pagar.

A pressa revela um projeto feito para evitar desgaste político, e não para promover um serviço justo ou eficiente.

A criação da taxa do lixo em Pindamonhangaba não era uma imposição legal, e sim uma escolha política. O município tinha e ainda tem outras alternativas legais e justas para financiar a coleta de lixo.

A Prefeitura decidiu empurrar a conta para o contribuinte, sem diálogo, sem estudo adequado e usando justificativas que não se sustentam juridicamente.

Mais grave ainda, usou o medo e a desinformação como estratégia, com ameaças infundadas de cassação, perda de recursos ou rejeição de contas. E agora, ainda tenta aplicar a cobrança com base exclusivamente na metragem do terreno, o que fere a legalidade e prejudica os mais vulneráveis.

A pergunta que fica é: por que tanta pressa?

A resposta pode estar nas condições financeiras do município, que vêm se agravando. Há informações públicas e relatos internos de que a prefeitura enfrenta pressões orçamentárias crescentes, atrasos em repasses, desequilíbrio nos contratos e dificuldade de manter compromissos assumidos. Isso pode explicar a urgência em aprovar uma nova taxa  não por exigência legal, mas por necessidade fiscal imediata.

Ou seja: estamos pagando o preço da falta de planejamento. E quem mais sofre com isso é o contribuinte, que vê seu bolso atingido para tapar os buracos da má gestão.

E para piorar: até o momento, o prefeito não apresentou o suposto documento oficial do Tribunal de Contas que teria “determinado” a criação da taxa. Eu mesmo já solicitei publicamente esse documento  e ele ainda não foi disponibilizado. Isso levanta mais dúvidas sobre a veracidade da justificativa usada para aprovar o projeto às pressas.

A população de Pindamonhangaba merece mais do que imposições e desculpas frágeis. Merece respeito, verdade e responsabilidade com o dinheiro público.



Gustavo Felipe Cotta Tótaro - CLICAR AQUI

Tecnólogo Gestão de Negócios e Inovação - Faculdade de Tecnologia José Renato Guaycuru San Martim. ( Fatec Pindamonhangaba)   

Técnico em Contabilidade - Escola Técnica João Gomes de Araujo de Pindamonhangaba/SP



Comentários